domingo, 16 de dezembro de 2012

Telefones e Mário Prata


Santiago- Chile-2012



O celular, quem diria, virou cafona
Mario Prata


Se você for da minha geração, deve se lembrar de quando surgiram os primeiros radinhos de pilha. Fim dos anos 50 (meu Deus, estou velho!) A marca era Spica. Era um luxo. Poucos tinham acesso. Era coisa de rico. Hoje virou lixo, sucata subdesenvolvida. Como o Brasil, coitado.

Os ricos d'antanho andavam pela rua com aquilo grudado no ouvido. Iam ao restaurante ouvindo o jogo de futebol. Faziam amor ouvindo La Vie en Rose. Pouco a pouco, foram percebendo que o destino do radinho de pilha era o porteiro do prédio. No dia que o primeiro porteiro de prédio ostentou um, o mundo não seria mais o mesmo. Nunca mais o rico usou radinho de pilha. Nem quando tem blecaute.

Com o celular, o processo foi o mesmo, já notou? Começou como ostentação e o pompeamento de altos executivos e empresários. Você entrava num restaurante chique e todos estavam falando naqueles aparelhinhos. Aos berros, em dolarês. Quanto menor, quanto mais o cara tinha que entortar a boca, mais status dava.

Outro dia o compadre Mateus Shirts andou escrevendo aqui que ouviu um, dentro de um ônibus, voltando de Rio Preto. Saiba, Mateus, que o meu porteiro comprou um. É isso, virou radinho de pilha.

Em Paris, me informa o Fernando Morais, já tem restaurante que proíbe o uso de celular. Não porque vá incomodar a mesa vizinha. Mas por ser cafona mesmo, ser "coisa de pobre". Já em junho, na Copa, era muito difícil ver um francês andando na rua falando no celular. Mas os estrangeiros, sim. Brasileiros então, nem se fala. E, por falar em Paris, eu tenho uma teoria: perdemos a Copa por causa dos celulares.

Tinha jogador que tinha três. Falavam até no intervalo dos treinos. Dava status. E convulsões, é claro. E eles estavam num lugar chamado concentração, onde evitavam a entrada da gente para não perturbar os jogadores. Mas a gente ligava para os celulares deles. Só mais uma coisa: o psicólogo era engenheiro. Entendeu?

Mas, voltando ao meu-Brasil-paraguaio — como diria Samir Cury Meserani —, algumas pessoas em São Paulo já perceberam que pega mal ficar usando celular em lugares públicos e privados. É sinal de pobreza física e mental. Já chegaram à conclusão óbvia que um celular na hora da refeição é sinônimo de burrice mesmo. Como é burrice usar aquelas ostensivas e infernais maquininhas eletrônicas - agendas - para marcar, na frente de todo mundo, o telefone de sicrano, coitado, que fica ali na sua frente, em pé, com pressa, até você conseguir ligar a danada, digitar o nome dele, pedir - de novo - o telefone, errar, deletar tudo, começar de novo, e o cara ali, com o velho e bom cartão na mão. Os usuários dessas maquininhas se dividem em duas categorias. Na primeira, os 50% que já conseguiram apagar - sem querer - todos os telefones numa digitada só. A outra metade ainda vai fazer isso, mais dias, menos telefones. É uma questão de dedo mole.

Falei nos jogadores da nossa seleção. E os ministro da nossa seleção? Principalmente os da área econômica. Parece que há uma intenção deliberada de não deixar aquele mala(n) pensar. Em todas as fotos deles, lá está, ao seu lado, ou melhor, no seu ouvido, o celular. Jamais saberemos com quem ele está falando. Ou, pelo menos, ouvindo. Sabe-se lá em que língua.

Eu acho que foi o economista Roberto Campos (o Bob Fields, lembra dele?) que disse que celular é igual pênis de velho. Cada vez menor, dobrável e, na hora H, não funciona. E com capinha, eu acrescentaria.

Você pode ter certeza de que a coisa ainda vai evoluir. O relógio do cidadão será o celular do futuro. Vai ser muito engraçado. Já estou a antever o restaurante cheio de homens com gel e conversando com o relógio. A última moda. É como se ele estivesse beijando o punho. Leva na boca, leva no ouvido, leva na boca de novo, volta para o ouvido. Na hora da discussão familiar, tá vendo o ritmo boca-orelha-boca? Mas eles vão adorar. Até que um dia vão encontrar o porteiro do prédio com o relógio dependurado na orelha. E agora, o que é que eu faço?

Então ficamos assim: o chique agora é não usar celular. Àquelas pessoas que até agora se negaram a entrar na moda, meus parabéns. Foi de uma grande lucidez. Já que ninguém me liga, vou ficando por aqui. E vou continuar a usar os meus dois celulares. Afinal, sou um escritor. Pobre, como toda a minha turma. Uma turma em que todos têm celulares. E, quando funciona, a gente se liga e vai tocando a vida, louco por mais uma novidade que, tenho certeza, com que a Telefônica vai nos brindar. E eu, com as minhas economias, serei o primeiro a usar. Adoro essas maquininhas todas. Sou um pobre metido a rico.

Como o Brasil.



http://www.releituras.com/marioprata_celular.asp
Extraímos o texto acima do jornal "O Estado de São Paulo", edição de 18/03/99.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Amigo oculto literário




Como disse Drummond, na crônica Ritos de Natal, “não há lugar de trabalho onde não se cumpra o ritual do amigo secreto --  ou oculto, como se diz no Rio”.  A ideia de organizar um amigo oculto de livros para encerrarmos o período letivo na Faculdade foi da simpática Caroline Lilian (foto). O Amigo oculto literário, nome de batismo, foi sugestão do Gabriel França. E Rosana Steinbach fechou com chave de ouro quando ordenou que todos pensassem ou criassem um poema para declamar para o seu amigo oculto. 


Livros para ler em 2013
Nada foi problema para os 15 jovens alunos do Curso de Letras e uns cinco agregados (maridos, namorados, alunos de outros cursos). Nem mesmo o fato de não termos mesa para todos, nem mesmo o forte calor, nem mesmo o dia estafante de trabalho que todos tivemos. Barulho também não nos incomodou. Muito pelo contrário. As pessoas olhavam atentamente para os apaixonados por literatura que declamaram com emoção os poemas selecionados. Alguns escreveram seus próprios textos e a única enrolada réu confessa fui eu! Confiei demais na minha memória e me enrolei com um poema do F. Gullar.

Tê-los como alunos foi um privilégio. Obrigação é estender aqui no Varal todo o meu carinho, organizar o próximo encontro e declamar um poema direitinho! 


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Cidadezinha qualquer ?




Paraty- 2012

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 2. ed. São Paulo: Abril, 1982, p. 37.)

domingo, 25 de novembro de 2012

VII JEL UERJ




05, 06 e 07 de DEZEMBRO de 2012
Local: Instituto de Letras da UERJ
Horário: 08h às 18h


Pré-evento: 04/12
Is Facebook Making Us Lonely?
Oficina ministrada por Naomi S. Baron, da American University - Washington, DC

Nesta sétima edição do JEL, destacam-se os múltiplos olhares sobre o tema linguagem, uma vez que serão acolhidas submissões de estudos da linguagem vinculados à Gramática Sistêmico Funcional, à Análise de Discurso de qualquer orientação, à Linguística Aplicada, à Linguística Gerativa, à Sociolinguística, à Linguística Cognitiva, dentre outras vertentes, além de trabalhos que utilizem a Linguística de Corpus como teoria ou metodologia. O intuito é motivar o debate acadêmico e a visibilidade de pesquisas que se apóiam em diferentes teorias, no Brasil e no exterior, sem se fechar em um único olhar, elencando possibilidades teóricas e metodológicas de análise deste objeto particular: a linguagem.
Os trabalhos serão reunidos a partir de temáticas comuns em sessões coordenadas por professores convidados. Cada sessão temática abrigará com 5 trabalhos. Contaremos também com duas sessões de pôsteres.
Os interessados poderão submeter os trabalhos completos para publicação em CD-ROM a ser organizado pelo Comitê Científico do VI JEL, segundo as normas de publicação elencadas no site.
Aqueles que desejarem lançar ou realizar lançamento ou mostra de obras acadêmicas ou artísticas devem entrar em contato com a coordenação do Evento, no endereço eletrônico jeluerj@gmail.com até o dia 30 de setembro de 2012.



quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Escola da Magistratura do Estado Do Rio de Janeiro



A dica é dos alunos do Curso de Direito/UVA e divulgo aqui para todos, pois devemos saber mais sobre os nossos direitos. Na Escola da Magistratura do Estado Do Rio de Janeiro há várias palestras interessantes e gratuitas! Confiram no site:
e lembrem-se: Informação é poder. Informação é atitude. Informação é tudo, nesse Brasil que pouco informa e muito deforma. 


Novembro/2012

08
10h00
às
17h30
"SEMINÁRIO TEMAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura
Inscreva-se 
12
09h00
às
12h00
"O IMPACTO DO CPC NO DIREITO IMOBILIÁRIO"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Auditório Antonio Carlos Amorim
Inscreva-se 
12
15h30
às
18h00
"O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O RISCO DE DANO AO MEIO AMBIENTE"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Auditório Nelson Ribeiro Alves
Inscreva-se 
13
09h30
às
12h00
"DIREITO E JUSTIÇA NUMA PERSPECTIVA PÓS-POSITIVISTA"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Auditório Nelson Ribeiro Alves
Inscreva-se 
22
09h00
às
12h00
"A CONSTITUCIONALIDADE DA REFORMA DO CDC"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Auditório Antonio Carlos Amorim
Inscreva-se 
26
10h00
às
12h00
"O MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA COLETIVA DO CONSUMIDOR"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Auditório Nelson Ribeiro Alves
Inscreva-se 
28
09h00
às
12h30
"SEMINÁRIO CRITICO À REFORMA DO CÓDIGO PENAL E A LEI MARIA DA PENHA"
Clique na imagem ao lado e veja a programação
Auditório Antonio Carlos Amorim
Inscreva-se 















domingo, 28 de outubro de 2012

Feira de artesanato Pueblito de los Dominicos




Feira de artesanato de Los Dominicos
Em recente viagem ao Chile, mais precisamente a Santiago, conheci a feira de artesanato em Los Dominicos. Um local muito charmoso, com cerca de 150 lojas, que ainda preserva o ofício do artesão. É possível ver alguns artesãos trabalhando, degustar boa comida e ainda ter o privilégio de ouvir um concerto. 

Loja de artesanato - Los Dominicos

Por descuido meu não tinha bateria suficiente para todos os registros, mas essa fotografia já diz tudo de Los Dominicos! Um gato pulou na janela de uma lojinha e se acomodou entre as diversas esculturas. Eu diria que ele foi o inesperado mais esperado nessa história. Bom domingo a todos!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Seminário: Entretenimento, felicidade e memória



Seminário “Entretenimento, Felicidade e Memória: forças moventes do contemporâneo” é um evento comemorativo dos 20 anos do NEPCOM, um dos mais atuantes núcleos de pesquisa da Escola de Comunicação da UFRJ. Professores de distintas universidades estarão reunidos para discutir três eixos de investigação que vêm sendo explorados, de maneira sistemática, pelos pesquisadores do NEPCOM: o entretenimento, a felicidade e a memória, aspirações ou recursos fundamentais para a mobilização dos indivíduos na contemporaneidade.

Este seminário é aberto ao público, com entrada gratuita. Basta fazer sua inscrição no site até o dia 11 de novembro (ou até o limite máximo de lotação do auditório).


domingo, 21 de outubro de 2012

XI Fórum de Estudos Linguisticos da UERJ

                               


Quarta-feira - 24/10/2012
08h00 – Abertura oficial
9h00 – Conferência “Uma visão tranquila e científica do novo acordo ortográfico”.
Prof. Dr. Evanildo Bechara (UERJ)
10h30 – Conferência “Língua literária: ideias novas e antigas”
Joel Rufino dos Santos (UFRJ)
12h00 – Almoço
13h30 - Mesa redonda: “Argumentatividade e Referenciação na organização textual: mecanismos coesivos e aspectos discursivos”
Dr. André Crim Valente (UERJ/Coord.)
Dra. Mônica Cavalcante (UFC)
Dra. Maria Teresa Tedesco V. Abreu (UERJ)

15h30 – Intervalo

16h00 – Palestra – “Desde quando somos normativos”
Dr. Carlos Alberto Faraco (UFPR)

Quinta-feira - 25/10/2012

08h00 - Mesa redonda: “Ensino do Português: referências e questões correlatas”

Dr. Claudio Cezar Henriques (UERJ/coord.)
Dra. Elis de Almeida Cardoso (USP)
Dr. Helênio Fonseca de Oliveira (UERJ)

10h00 – Intervalo

10h30 - Palestra: O contato entre línguas na história sociolinguística do Brasil

Dr. Dante Lucchesi (UFBA)

12h00 – Almoço

13h30 - Mesa redonda: Gramática no Brasil: reflexos da colônia e reflexões da atualidade.

Dr. José Carlos Azeredo (UERJ/Coord.)
Dra. Marli Quadros Leite (USP)
Dr. Renato Miguel Basso (UFSC)

15h30 – Intervalo

16h00 – Palestra: Representações gramaticais do Português brasileiro.

Dr. Ataliba de Castilho (USP)

Sexta-feira - 26/10/2012

08h00 - Mesa redonda: Produção de textos: reflexões sobre a pesquisa e o ensino.

Dra. Darcília M. P. Simões (UERJ/Coord.)
Dra. Leonor Werneck dos Santos (UFRJ)
Dra. Mari Noeli Kiehl Iapechino (UFRPE)

10h30 - Palestra: “Léxico, renovação, representações”

Dra. Graça Maria de Oliveira e Silva Rio-Torto (Universidade de Coimbra)

12h00 – Almoço

13h30 - Mesa redonda: A leitura, o texto e o leitor: a relevância da mediação sensível e (in)formada.

Dra. Maria Teresa Gonçalves Pereira (UERJ/coord.)
Dra. Vera Teixeira de Aguiar (PUC-RS)
Dra. Eliana Yunes (PUC-RJ)

15h30 – Intervalo

16h00 – Conferência de Encerramento – “Por uma gramática do sentido numa perspectiva didática”

Dr. Patrick Charaudeau (Université Paris XIII)


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Pendurando no Varal- Jovens escritores


Meu alimento são estes escritos. O jovem autor, deve ter uns 13 anos, tímido, escreveu o poema durante uma atividade em sala de aula. Só depois de muita negociação, ele permitiu que eu publicasse aqui  o poema. 



Identidade
Às vezes não sei quem eu sou
Às vezes sou o vento que desgasta
Às vezes sou moleque,
que brinca e se diverte com as crianças.
Às vezes sou o homem da casa.
Quando o meu pai sai
eu faço a festa
Às vezes eu queria ser um poeta
mas um poeta eu não posso ser,
pois um poeta pensa em tudo
e eu só penso em VC
Eu sou assim
herói voador,
caubói lutador
guerreiro vencedor.        (Cristian M)

sábado, 22 de setembro de 2012

Harley-Davidson e Ultraje a Rigor

Tudo bem que eu sempre torço o nariz para o estilo ‘american way of life’, mas fui ao Rio Harley-Davidson na Marina da Glória e tenho que admitir que uma Harley-Davidson é um dos poucos ícones americanos de que gosto. Talvez porque a  Harley-Davidson carregue esse astral de liberdade e paz. E convenhamos, é um conforto só!

Para terminar bem a semana, um som do Ultraje a rigor, que além de ter dado um SHOW no evento, esbanjou alto astral . Dancei muito e escolhi uma música que combina com alguns políticos que estão por aí  na estrada.

                       

domingo, 2 de setembro de 2012

Para Roma com amor

                           

Sempre gostei dos filmes do Woody Allen. Tanto que, no fim dos anos 90,  ganhei de presente uma miniatura do Woody Allen e que até hoje está ao lado do meus escritos, computador, na minha mesa de trabalho. 
Para Roma com Amor não é o melhor de Allen. É um filme leve, mas bem divertido para um domingo. Bom para percebermos que idade não é problema, que Woody está aí, produzindo, pensando, fazendo!
E por isso, já está recomendado!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Quem você deixaria pendurado de cabeça para baixo?

Exposição Corpos Presentes - CCBB/2012

Quem ainda não viu, corra para ver. A exposição Corpos presentes, do escultor inglês Antony Gormley,  está no Centro Cultural Banco do Brasil até 23 de setembro. São esculturas em tamanho real feitas a partir do corpo do artista. 
Ao observar a imagem acima, fiquei imaginando quem eu deixaria de cabeça para baixo para sempre. Bem, não vale lista pessoal, pois certamente deixaria alguns de fora. Inicio  aqui uma lista pública para começarmos. O critério é citar uma pessoa para cada categoria diferente. 
Vejamos:
1- Fernando Collor (categoria político)
2- Xuxa (categoria televisão)
3- Belo (categoria músico)
4- Thalita Rebouças (categoria escritora; favor não confundir com a pessoa Thalita Rebouças! Ah, fala sério!)
5- Tiririca (categoria....categoria...palhaço?)

Façam suas apostas!

sábado, 18 de agosto de 2012

As neves do Kilimanjaro

                                        

Esperava  menos do filme de Robert Guediguian, no entanto é muito bom ver gente comum nas  telas especialmente nessa era de corpos sarados, botox, sorrisos plastificados. O filme As neves do Kilimanjaro conta a história de um casal de meia idade que deseja conhecer Kilimanjaro, mas esbarra na situação de aposentadoria ou desemprego, solidariedade familiar e, sobretudo, cumplicidade. O discurso de um homem de meia idade que não sabe o que fazer com sua vida de aposentado e sindicalista aparece como uma reflexão para muitas outras coisas da vida. O simples inteligente, como sempre, eu recomendo.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Leituras!



Exposição Corpos Presentes - CCBB/ agosto, 2012


O arquivo

Victor Giudice

No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.

joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.

No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.

Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.

Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.

O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.

Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.

Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.

Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta.

Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.

joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.

Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.

Respirou descompassado.

— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.

joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.

— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.

O coração parava.

— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.

A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.

— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?

Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.

Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.

Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.

Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.

Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.

O corpo era um monte de rugas sorridentes.

Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:

— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.

O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:

— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.

O chefe não compreendeu:

— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?

A emoção impediu qualquer resposta.

joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.

João transformou-se num arquivo de metal.