segunda-feira, 3 de outubro de 2011

  
                                      

O menino que vende velas ilumina as almas na praça, mas não acredita em nada. Desconfia que Deus criou o E, mas o danado do diabo, foi lá e criou o OU. As almas não se preocupam tanto, não. Com explicar que se as almas, de fato, fossem do bem, bastava rezar uma vez e pronto?  Ele pensava isso durante as vendas.  
Lia o livro sobre o Garrincha, encostado em sua barraca de velas.  Livro velho, com orelhas, sujo. Mas ele lia iluminado pelas velas do cruzeiro, em frente à igreja, sem preocupação alguma. Torcia para aquela gente toda comprar muitas velas e o desassossego continuasse, pois só assim teria mais luz  para ler, porque o bairro carecia de infraestrutura.
Uma moça bem vestida, muquirana, ia lá toda segunda-feira, à noitinha. Tinha jeito de muquirana e devia rezar para se casar logo e deixar a vida de mulher independente. Às vezes, ia a pé, mas começou a aparecer ali de carro. O carro parava perto. Não desligava o motor, e ela descia do carro pelo lado do carona. Era o único carro que tinha um adesivo gigante com o escudo do time de futebol do menino. Jamais tinha visto algo igual. O único momento em que fazia sentido acreditar em dias melhores.
Tentou conversar com a muquirana, mas só sabia que o dono do carro era médico e namorado dela.  Sujeito cético, pensou o menino. Na medicina vale a pesquisa, a ciência. Um dia os dois desceram do carro e foram até um restaurante da praça. Quando a moça saiu do carro deixou uma camisa cair no chão e não se deu conta do fato. O menino não perdeu tempo. Correu, pegou a camisa do time e a enfiou no saco de lixo. Quando estava desmontando a barraca e a praça dormia, o menino vestiu a camisa do time e ficou com o olhar longe. Novamente mexeu no saco de lixo e sem querer tocou em um papel que dizia: “Desculpa, mas reza também pela minha paz” . C. Varandas

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