terça-feira, 4 de outubro de 2011

Ponto e vírgula


                   

Como lia muito em inglês havia uma séria dúvida de que eu soubesse escrever em português. Comecei no jornalismo trabalhando como copydesk, uma função que já dever ter sido substituída por uma tecla de computador no Zero Hora, de Porto Alegre. Naquele tempo você podia começar como estagiário, sem diploma. Quanto tempo faz isso? Basta dizer que a Manchete do Zero Hora no dia seguinte ao da minha estréia, foi "Castelo hesita em cassar Lacerda". E a manchete saiu com um terrível erro de ortografia. "Exita" em vez de "hesita". Na minha casa duas certezas conflitantes-- a de que eu era analfabeto e a de que já começaria no jornalismo fazendo as manchetes da primeira página-- se chocaram, criando o pânico. Mas eu era inocente. E tenho conseguido me manter inocente de grandes pecados ortográficos e gramaticais desde então, pelo menos se você não for um fanático sintático. Vez que outra um leitor escandalizado me chama a atenção para alguma barbaridade que eu prefiro chamar de informalidade, para não chamar de distração ou ignorância mesmo. Afinal se a gente não pode tomar liberdades com a própria língua... E nenhum pronome fora do lugar justifica a perda de civilidade.
Mas tenho um temor e uma frustração. Jamais usei ponto-e-vírgula. Já usei "outrossim", acho que já usei até "deveras" e vivo cometendo advérbios, mas nunca me animei a usar ponto-e-vírgula. Tenho um respeito reverencial por quem sabe usar ponto - e - vírgula e uma admiração maior ainda por quem não sabe e usa assim mesmo, sabendo que poucos terão autoridade suficiente para desafiá-lo. Além de conhecimento e audácia, me falta convicção: ainda não escrevi um texto que merecesse ponto-e-vírgula. Um dia o escreverei e então tirarei o ponto-e-vírgula do estojo com o maior cuidado e com a devida solenidade o colocarei, assim; provavelmente no lugar errado, mas quem se importará?
                     Luis Fernando Veríssimo

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