quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Galáxia

Arquivo pessoal

                         "a cidade girando
                          arrasta em seu giro
                          pânicos destinos desatinos
                          risos choros
                          luzi-luzindo nos cômodos sombrios
                          da Urca, da Tijuca, do Flamengo
                                                                     (...)"
                                                             Ferreira Gullar

terça-feira, 29 de novembro de 2011

PALAVRAS- Manoel de Barros



Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com a sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras pois que desestruturaram a linguagem. E não eu.
(BARROS, Manoel de.
Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2000.)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Desapega!

A leitura do livro foi para ela uma revelação. Havia muito tempo pensava em mudar de vida, em dar um novo rumo à sua existência, terminando com as frustrações, realizando seus sonhos de juventude. Achava, porém, que isso só poderia ser feito de maneira drástica, terminando com o casamento, saindo de casa, indo morar em algum lugar distante. Mas o livro sugeria que não precisava chegar a tais extremos. Poderia começar de maneira modesta e prática: jogando fora 50 coisas que considerasse desnecessárias. Um passo para começar a distinguir o que era realmente importante do que era apenas secundário.
Livrar-se de 50 coisas desnecessárias não seria, porém, coisa fácil. Por causa do marido. Homem autoritário, obsessivo, não queria que nada fosse jogado fora. Tudo teria de ser guardado: jornais antiquíssimos, eletrodomésticos que já não funcionavam, roupas velhas e rasgadas, e até biscoitos mofados.
Felizmente, para ele, e infelizmente para ela, a casa, herdada da família dele, era enorme: dois pisos, sótão, porão. Resultado: velharias e quinquilharias por toda a parte. O pior é que ele conhecia cada coisa, cada objeto; sabia procurá-los nos lugares onde estavam. E reclamava de qualquer mudança, por mais insignificante que fosse. Já despedira incontáveis empregadas por causa disso.
Mas ela estava determinada a ir em frente com seu projeto. E, quando tivesse reunido os 50 objetos de que falava o livro, não os jogaria fora apenas: trataria de queimá-los numa fogueira monumental que, além de garantir a irreversibilidade da mudança, simbolizaria o ingresso na nova fase de sua vida.
Para facilitar a tarefa, resolveu trabalhar com grupos de dez objetos. Primeiro grupo: roupas usadas do marido. Fácil, muito fácil. Meias furadas, camisas rasgadas e manchadas, paletós fora de moda: num instante a coleta terminou. Depois veio o grupo da papelada, que incluía jornais e revistas antigos. Também foi fácil. Revistas de dez anos atrás estavam guardadas numa prateleira! Coisa completamente maluca! Foi tudo encaminhado para uma pilha no quintal.
O terceiro grupo era de livros, e aí já foi mais difícil; em muitos casos ela ficou em dúvida. Mas os volumes comidos de traça obviamente podiam ser dispensados, assim como os livros em duplicata. (...) O quarto grupo era de equipamentos fora de uso. Também difícil. Poderia jogar fora uma máquina de escrever manual? Uma impressora aparentemente fora de combate? De qualquer jeito deu para juntar dez itens, que foram direto para a pilha do quintal.
E aí veio o quinto grupo, o mais difícil: objetos pessoais e decorativos. (...) De qualquer modo foi indo e conseguiu chegar à cifra de nove coisas descartáveis.
Faltava um décimo objeto, e ela estava pensando a respeito, quando o marido chegou. Ao ver o que a mulher estava fazendo, teve um ataque de fúria: era uma falta de respeito aquilo e ela tinha de botar tudo no lugar imediatamente.
A ordem foi, claro, cumprida. Mas ela não pôde deixar de pensar que, ao menos, tinha descoberto o quinquagésimo item a ser jogado fora.

                                                                                 SCLIAR, Moacir. A arte de jogar fora.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A pele que habito

                                                  

   
Assisti ao novo filme do diretor espanhol Almodóvar e acredito que de todos os filmes que assisti este ano, A pele que habito, sem dúvida, é o melhor. Amodovar apresenta a história de um médico, cirurgião plástico, em busca de um “final feliz” para uma história de perdas. Li algumas críticas sobre o filme e cada uma conta o enredo do filme de uma forma diferente. Claro. A pele que habito relaciona várias histórias em uma só e isso é o mais interessante. Uma história se torna interessante pela forma como se conta e quando o roteiro é bom dificilmente o filme é ruim. O contrário pode acontecer: um roteiro ruim dificilmente torna-se um bom filme. Já vi outros filmes do Almodóvar — Abraços Partidos, Volver, Tudo sobre minha mãe e Fale com ela. Mas A pele que habito é o melhor, pela sequência da trama, pela trilha sonora, pelos atores, por Amodovar que teve a precisão de cirurgião. Cortou e deu pontos sem deixar cicatrísticas.
                            

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma doce lembrança



Diga que sim! Diga que conhece Marvin Gaye e que já teve uma vontade louca de dançar, ouvindo esse americano que foi sucesso nos anos 60 e 70, mas que saiu de cena antes, bem antes da hora, porque foi assassinado pelo próprio pai em 1984.  A bela música What´s going on fez quarenta anos neste ano de 2011 e é uma quarentona bem atual! Quem quiser ouvir, há um DVD ‘Marvin Gaye Live in Montreux 1980’ com as melhores músicas, na melhor fase de Marvin.
Escolhi para esta quarta-feira, 16 de novembro de 2011, Sexual Healing. Tudo é flores quando ouvimos Sexual Healling, não é?

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sem saída

                                   
E o palhaço quem é? É ladrão de mulher!!! E o palhaço quem é? Quem é? Quem é o palhaço? Ninguém responde. Silêncio. Ninguém mais acha graça nas falas do palhaço. Ninguém se comove, não há brilho nos olhos...
O palhaço não mudou nada, nada mesmo. Não desperta gargalhada, felicidade. A plateia muda, seu palhaço! E você fala sempre as mesmas coisas! Sempre o mesmo texto. Não aprendeu nada. Não quer mais aprender. Nega-se a mudar o texto porque só olha para o seu próprio nariz.
A vida tem simplicidade, seu palhaço! Mas o palhaço é soberbo. Não gosta da plateia pobre, simples. Agora a plateia já sabe. O palhaço não é bom, o palhaço não gosta do circo, gosta de viajar, gosta de conhecer novas cidades e não quer mudar o texto. Não pode ficar muito tempo no mesmo lugar, porque a plateia vai descobrir. Acha que basta falar qualquer coisa, acha que a plateia é burra. Agora a plateia já sabe. Você pode refazer a maquiagem, mas o texto envelheceu. Se liga! Tá na hora de sair de cena.

        

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Meu pensamento

                  
Às vezes nem sei o que acontece comigo, às vezes eu sou eu e às vezes não sou ninguém. Muitas vezes tento mudar, mas não consigo. Meu pensamento, às vezes, fala com o meu sentimento, às vezes... Nem sempre o meu pensamento fala mais alto. Tento mudar meu rumo, meu pensamento, meus costumes, meus sentimentos, mas nem sempre dá certo. Se o seu pensamento falar mais alto, pense bem antes de fazê-lo. Pense, pois o tempo é curto. As chances são poucas e seu pensamento é pequeno.
                                                         Lorrana Pires - 31/10/11 - T: 700

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Vergonha

“Um sujeito tem um simulacro existencial, isto é, faz projeções de si num imaginário de confiança e relaxamento; dentro de seu simulacro existencial, ele constrói para si uma imagem que considera representá-lo, uma imagem com a qual se identifica e se confunde. Desliza, portanto, do parecer para o ser, imagem e sujeito constituindo um mesmo e único valor... De posse de uma imagem de si, uma circunstância inesperada vem arrancar o sujeito de seu estado de confiança relaxada: percebe que o modo como se vê mostra-se em desajuste com o modo como se vê visto. Como imagem e sujeito se confundem, o sujeito reconhece não ser o que pensava ser e teme o juízo dos outros, uma vez que sua nova e indesejada representação é a imagem que os outros podem vir a ter de si. Está formada a base para a vergonha”
                               DE LA TAILLE, Yves.Vergonha:: a ferida moral. Petrópolis, Vozes. 2002